quinta-feira, 22 de julho de 2010

CONTOS

NOSSAS VIDAS MINHA

      Eu não pensava em nada.
      É que a velocidade, a adrenalina deixa a gente assim, meio louco. Agora tenho a consciência de que fui muito egoísta. Eu não pensei em ninguém. Nem nos meus amigos, nem na minha namorada, nem no meu pai, nem na minha mãe. Não pensei no sofrimento que podia causar a eles se me acontecesse algo.
      Agora, aqui neste quarto de hospital, cheio de aparelhos tentando me manter vivo, penso nas fatalidades da vida. Se eu conseguir sair dessa, vou ter mais cuidado. Todos nós temos que entender que não somos isolados no mundo. A nossa vida não nos pertence: somos daqueles que nos amam. Fazemos parte da vida, da alma e do corpo de cada um que convive conosco. Se faltamos, arrancamos um pedaço em cada um. E, naqueles que mais nos amam, os pedaços são maiores. Não posso nem pensar na possibilidade de arrancar o coração de quem mais me ama...
        Se a minha mensagem fluir, estarei perdoado. Se meus amigos pensarem em mim, não cometerão o mesmo erro. Se quiserem se matar, farão como fiz.  E estarão matando sonhos e esperanças,  desejos e planos, amores e dedicação das pessoas que amam.
        Agora eu sei: a velocidade é excitante, mas pode acabar com muitas vidas em uma só morte.
        Vou parar de pensar porque está chegando alguém.  É a minha mãe. Ela me chama e eu não sei responder.  Ela me faz um carinho e eu não sinto. Ela chora e eu não consigo pedir perdão. Se ela disser que me ama, vou chorar... 
        Estou chorando!
        Minha mãe seca minhas lágrimas e sorri: "Ainda resta uma esperança! Ele está vivo! Se eu pudesse daria a minha vida para salvar a sua, filho!"
        Ela disposta a me dar a vida e eu quase lhe dei a morte.
        
 SOBRE OS LÍDERES

         Naquele tempo tudo era tranquilidade. A cidade esbanjava sorrisos e suas calçadas eram como depósitos de esperanças. As pessoas acordavam felizes e seu semblante caracterizava o melhor ambiente me que viviam. Nas ruas, as mais diversas peculiaridades se manifestavam. Uma, porém, sobressaía com tamanha altivez: a Democracia.
        Dentre os ensinamentos que o povo cultivava, este era soberano. Para  a mais singela decisão exigia-se a democracia.  A participação popular estava em cada ato, em cada atitude. Ninguém duvidada que deste modo de vida resultava a felicidade de todo o povo. Cada cidadão era repeitado por suas opiniões e vontades. Cada diferença era tratada como qualidade. Todos os dias as pessoas reuniam-se em torno do fogo para receber os ensinamentos dos mais velhos. Aprenderam com a lua a aceitar as diferentes fases de cada semelhante. Ora ofuscado, ora brilhante, cada um e todos tinham seus direitos respeitados. Isto porque naquele tempo tudo era tranquilidade. A cidade esbanjava sorrisos e suas calçadas eram como depósitos de esperanças.
      Com o tempo, surgiram os líderes. E cada um tinha sua qualidade mais apurada. O carismático conseguia seduzir e encantar. O sábio ouvia e pronunciava simplicidades. O administrador organizava tudo e a cidade respirava organização.
      Os líderes resolveram, então, que seriam líderes. Sem que naturalmente o povo os admirasse, aprenderam a fazer com que o povo os admirasse. E cada líder ficou com sua qualidade ainda mais apurada. O carismático passou a seduzir e encantar para seu próprio prazer. O sábio ouvia e pronunciava sabedorias. O administrador organizava tudo e a cidade o lia nos cartazes. 
      Então, a cidade passou a entender que tinha líderes e que precisava deles. E cada rua da cidade passou a ter um nome, e cada líder passou a ser nome dessas ruas. O carismático passou a fazer discursos inflamados. O sábio ensinava e questionava opiniões. O administrador mandava e se fazia obedecer.
      E a cidade passou a criar problemas e a procurar soluções. E as pessoas passaram a precisar de líderes. E os líderes passaram a gostar de seus papeis. E novos líderes fizeram-se pela astúcia ou pela ganância. E cada líder solicitava seu valor. E cada povo tinha o líder que escolhia. E cada cidade tinha o líder que merecia.
        A cidade passou a ter problemas e os problemas necessitavam de novos líderes. E o povo sustentava os líderes que lhes resolvia os problemas. E os líderes passaram a criar problemas para que o povo os sustentasse.